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sexta-feira, 5 de novembro de 2010


ENCONTRO COM PESSOA




Vem sentar-te comigo,Lídia, à beira do rio
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa e não estamos de mãos enlaçadas
          ( Enlacemos as mãos )"

Não pude resistir ao amável convite e sentei-me ao seu lado, olhando-o como se nos conhecêssemos de há décadas (o que nada tem de inverdade) e como soubesse que aquela ocasião era única , absoluta e irresponsavelmente única, esforcei-me por não pensar na pessoa que estava ali a não ser como um velho conhecido:
- Enlacemos as mãos, senhor, que o mundo é tão grande e tão grandes são seus descaminhos que não é raro perderem-se os que se amam e os que não. De mãos dadas, ao menos, sabemos que há mais alguém vivo nesta terra.
  "- O que há em mim é sobretudo cansaço/ Não disto nem daquilo,Nem sequer de tudo ou de nada:Cansaço assim mesmo, ele mesmo/ Cansaço." 
                                                        
O cansaço que há em mim é um cansaço de mim . Eu  peso em mim e de tal forma e com tal volume que minhas pernas parecem que se vergam.
 - Não, não é cansaço,
É uma quantidade de
desilusão.
( . . .  )
Não, cansaço não é ...
É (eu) estar existindo 
E também o mundo
Com tudo aquilo que
contém.
 ( . . .  )
 Não.  Cansaço por quê?
 É uma sensação abstrata
 Da vida concreta —
 Qualquer coisa como um grito 
 Por dar.
                                                    
- Devo eu gritar, então, para que minh'alma se liberte de mim e rode o infinito como antes de eu nascer , quando era leve e fugaz ? 
Do que quero renego, se o querê-lo me pesa na vontade
Nada que haja vale que lhe concedamos
Uma atenção que doa. 
Meu balde exponho à chuva, por ter água. 
Minha vontade, assim, ao mundo exponho, 
Recebo o que me é dado, 
E o que falta não quero."

 " E o que falta não quero", diz-me assim, como a quem tudo basta. Ou o nada é que basta. Mas tenho em mim uma ânsia vã de buscar estrelas do céu ou dos mares como quem procura fora o que não encontra em si. Penso . . . 
                         ( Interrompe-me com a firme complacência e um tanto blasé dos que podem sê-lo )
 - Há metafísica bastante em não pensar em nada.
   Que idéia tenho eu das cousas?
   Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
   Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
   E sobre a Criação do Mundo? 
   Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
   E não pensar. (...) 
   
   Fiquei calada. Calada e olhando para ele fumando o seu cigarro. Acendi o meu em comunhão. Por que não?  
   Naquele momento, além de palavras, tínhamos algo mais em comum: o cigarro, suas espirais e um mesmo vício. Ele não sorria muito e a sua voz era baixa, grave e calma. 
   Imaginei-o declamando Poema em linha reta com aquela voz e quase comecei a rir ; então me lembrei, em tempo, que poemas como aquele não saíam de gargantas, mas de qualquer outro lugar , mais profundo e menos reconhecível.
   Seus olhos miúdos passaram por mim muito rápidos, e então, sem pensar, usei suas palavras :

    - "Não sou nada.Nunca serei nada.Não posso querer nada.À parte isso,tenho em mim todos os sonhos do mundo.(  . . .  )Fiz de mim o que não soube. E o que podia fazer de mim não o fiz.O dominó que vesti era errado.Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.Quando quis tirar a máscara, estava apegada à cara."

 Não usaste máscara, nunca foste nada além de ti mesma. Vejo tua alma tão claramente quanto a fumaça que expiras, como os sonhos e as verdades que te compuseram assim. O dominó não poderia ser errado porque não havia dominó. Se te conheceram logo por quem não eras;  logo, não havia por que te desmentires.E se te sentes perdida, bem-vinda sejas ao solitário mundo das palavras, onde adentraste, creio eu,com a inconseqüência das crianças e o instinto próprio dos insanos.


(Este foi só o primeiro)

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