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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

MARIA JOÃO SARAIVA, in A DOR QUE ME DEIXASTE, (Coisas de Ler )



Quando não me abrigo do mundo e deixo os outros entrar, devagarinho, percebendo que também eles me trazem cores, flores e também abraços, aquela dor da ausência de ti amansa. E por vezes, sei que reuno forças para empurrar a porta – para não deixar ninguém entrar e para que tu não saias, como se esse gesto pudesse suspender um sonho e como se eu pudesse viver apenas de um sonho que me tem cativa. E prefiro dizer sonho do que ilusão porque esta significaria a aceitação, a constatação última de que te foste, de que urge deixar-te ir; o sonho, esse, ainda me agarra à esperança, àquele futuro que ainda pode espreitar-me. E eu preciso dessa esperança como uma mão que sustém a dor para que ela não pese tanto que me esmague.
JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM



Devolve a luz que me roubaste. A luz da minha carne, da

minha cama, a luz que agora corre em incertos rumores.
De olhos absurdos, repara como a noite é a pele da minha
alma e como me visto com a recordação de outros dias.
Num altar de penumbra permanecem as minhas mãos, mas as preces são apenas a música do ar, minúsculos sons que se libertaram e que vão regressando à superfície dos objec-
tos.
Devolve a luz que me roubaste. A luz que tinha o rio que
há em mim, a luz de mim, a luz que cantava nos meus versos. Essa luz merecida pelos meus braços, pelos meus
sentidos, pelas minhas palavras.
Devolve-a. para que eu não tenha de encostar o rosto à
noite, e para que não sinta medo até amanhecer.
Devolve-a, porque o tempo é juiz desse teu roubo, e por-que tudo é escuro na sua consciência.
Devolve-a, porque os dias se acabam quando acaba a luz.
Devolve-a, porque a humilhação e as lágrimas são troféus
que o escuro reclama. E porque prefiro, então, cegar os
olhos.
Por favor, devolve a luz que me roubaste.




REALIDADE

Em ti o meu olhar fez-se alvorada
E a minha voz fez-se gorgeio de ninho...
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pálida do linho...

Embriagou-me o teu beijo como um vinho
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada...
E a minha cabeleireira desatada
Pôs a teus pés a sombra dum caminho...

Minhas pálpebras são cor de verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci...

Tens sido vida fora o meu desejo
E agora, que te falo, que te vejo,
Não sei se te encontrei... se te perdi...
Florbela Espanca




A INCÓGNITA DA VIDA

O rumo que damos à vida é uma incógnita.

Os sonhos que sonhamos, são projectos,
Cujo tempo para concretizar é decrescente
Desde a primeira inspiração que realizamos, até ao último suspiro que o corpo e a alma nos permitem.
Por isso...
Corre, como se não houvesse amanhã.
Desafia-te, como se o presente fosse o último momento.
Aprende, desaprende e re-torna a aprender,
Erra tudo o que queres e podes errar,
Acerta quando esse for teu prazer,
Dança, como se voasses,
Sonha...
E agarra tudo o que a vida te permitir segurar!

Cada segundo, minuto, hora e dia é precioso...
É uma dádiva poder viver,
É uma dádiva crescer,
Conhecer o mundo, cansarmo-nos e poder escolher!

Vive com respeito à tua dignidade e dos outros,
Pensa e emociona-te.
Cai, e levanta-te.
Magoaste-te?
Retorna a cair!
Porque errar e sonhar é viver, e viver e morrer é dar um sentido à existência!


Sara Pina

domingo, 26 de agosto de 2012

 http://postais.clix.pt.

NUNO JÚDICE, in O ESTADO DOS CAMPOS

EM FRENTE DO MAR

"Pergunto a mim próprio em que noite nos perdemos?
que desencontro nos levou de um a outro lado das 
nossas vidas? e que caminhos evitámos para que os nossos 
passos se não voltassem a cruzar? Mas as perguntas que 
te faço, hoje, já não têm resposta. Sento-me contigo, 
nesta mesa da memória, e partilho o prato da solidão. Tu, 
na cadeira vazia onde te imagino, sacodes o cabelo com 
um aceno de ironia. E dou-te razão: as coisas podiam 
ter sido de outro modo. Não te disse as palavras que 
esperaste; e havia o mar, com as suas ondas, nessa tarde 
em que me puxaste para longe da cidade, como se 
a noite não nos obrigasse a voltar, quando o horizonte 
se apagou à nossa frente. Depois disso, nenhuma 
pergunta tem resposta. O que é absurdo há-de continuar 
absurdo, como o horizonte não se voltou a abrir, 
trazendo de volta os teus olhos que me pediam que 
os olhasse, até que a noite me impedisse de o fazer." 


EUGÉNIO DE ANDRADE, in CHUVA SOBRE O ROSTO, (Modo de Ler/Ed. Afrontamento, 2009)

SEM TI

E de súbito desaba o silêncio.

É um silêncio sem ti,
sem álamos,
sem luas.

Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas.

sábado, 25 de agosto de 2012


MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in O CANTO DO VENTO NOS CIPRESTES.

SE ME ABRAÇARES, NÃO PARTAS.

Se me abraçares, não partas.

Se partires, não me abraces – a falésia que se encosta

uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre

e sonha com viagens na pele salgada das ondas.



Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão

das marés e uma canção desprende-se da espiral dos búzios;

mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder,

porque o ar que respiras junto de mim é como um vento

a corrigir a rota do navio. Se partires, não me abraces –



o teu perfume preso à minha roupa é um lento veneno

nos dias sem ninguém –longe de ti, o corpo não faz

senão enumerar as próprias feridas (como a falésia conta

as embarcações perdidas nos gritos do mar); e o rosto

espia os espelhos à espera de que a dor desapareça.



© Maria KREYN Paintings

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in "O CANTO DO VENTO NOS CIPRESTES"
QUANDO EU MORRER

Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas

nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa
que nos meus braços pousem então as aves ( que , como eu,
trazem entre as penas a saudade de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na baínha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou ( e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me
a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

MARIA JOÃO SARAIVA, in "A DOR QUE ME DEIXASTE"

"Mitiga-se a dor quando te suspendo em memórias e fantasias de nós, mas se corro para me aninhar em ti, fica-me apenas o vazio do teu abraço.

As minhas mãos, côncavas, acolhem-te no que me 

deste e é como segurar a água de um rio na palma da mão. Vais-te. Estou só. Cobre-me então o véu da melancolia”

“Esta tarde deitei-me na linha do horizonte, abandonei-me
naquela lonjura, embalada nas cálidas águas do mar, com o céu a cobrir de púrpura a minha pele. Talvez ali, naquela planície de calmaria, adormeça a minha dor, adormeça a minha dor…”

“Por vezes ainda tenho saudades do tempo em que entravas pela janela com as mãos cheias de luar para mim."

NUNO JÚDICE, in A PARTILHA DOS MITOS

UM AMOR

Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão, 
puxaste-me para os teus olhos 

transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
ainda apanhámos o crepúsculo.
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
diferente inundava a cidade. Sentei-me
nos degraus do cais, em silêncio.
Lembro-me do som dos teus passos,
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
e a tua figura luminosa atravessando a praça
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
essa doente sensação que
me deixaste como amada
recordação." 

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

PAULO EDUARDO CAMPOS, in NA SERENIDADE DOS RIOS QUE ENLOUQUECEM (Amores Perfeitos, 2005)

Quantas horas te procurei
Neste escuro, nestas noites lunares.

Quantas vezes fechei os olhos
Para te poder ver
Na serenidade dos rios que enlouquecem.
Esquece-te de tudo,
Guarda apenas a certeza
Que o sol brilha
E que os pequenos pássaros de fogo estremecem
Quando os meus olhos se fecham
Para te lembrar.
JOSÉ GABRIEL DUARTE 


[ESPERO-TE]

Espero-te
Mas conto apenas até dois
Receio o depois
Dizer três
E não chegares
Perder-te de vez...

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

NUNO JÚDICE, in MEDITAÇÃO SOBRE RUÍNAS (Quetzal, 1999)

De um e outro lado do que sou, 
da luz e da obscuridade, 
do ouro e do pó, 

ouço pedirem-me que escolha;
e deixe para trás a inquietação,
a dor,
um peso de não sei que ansiedade.

Mas levo comigo tudo
o que recuso. Sinto

colar-se-me às costas
um resto de noite;
e não sei voltar-me
para a frente, onde
amanhece. 

domingo, 19 de agosto de 2012

SAUDADE

Saudade é uma das palavras mais presentes na poesia de amor da língua portuguesa e também na música popular, "saudade", só conhecida em galego e português, descreve a mistura dos sentimentos de perda, distância e amor. 

A palavra vem do latim "solitas, solitatis" (solidão), na forma arcaica de "soedade, soidade e suidade" e sob influência de "saúde" e "saudar".


Diz a lenda que foi cunhada na época dos Descobrimentos e no Brasil colónia esteve muito presente para definir a solidão dos portugueses numa terra estranha, longe de entes queridos.

Define, pois, a melancolia causada pela lembrança; a mágoa que se sente pela ausência ou desaparecimento de pessoas, coisas, estados ou ações. Provém do latim "solitáte", solidão.

Uma visão mais especifista aponta que o termo saudade advém de solitude e saudar, onde quem sofre é o que fica à esperar o retorno de quem partiu, e não o indivíduo que se foi, o qual nutriria nostalgia. A génese do vocábulo está directamente ligada à tradição marítima lusitana.

A origem etimológica das formas atuais "solidão", mais corrente e "solitude", forma poética, é o latim "solitudine" declinação de "solitudo, solitudinis", qualidade de "solus". Já os vocábulos "saúde, saudar, saudação, salutar, saludar" proveem da família "salute, salutatione, salutare", por vezes, dependendo do contexto, sinônimos de "salvar, salva, salvação" oriundos de "salvare, salvatione".

O que houve na formação do termo "saudade" foi uma interfluência entre a força do estado de estar só, sentir-se solitário, oriundo de "solitarius" que por sua vez advém de "solitas, solitatis", possuidora da forma declinada "solitate" e suas variações luso-arcaicas como suidade e a associação com o ato de receber e acalentar este sentimento, traduzidas com os termos oriundos de "salute e salutare", que na transição do latim para o português sofrem o fenómeno chamado síncope, onde se perde a letra interna l, simplesmente abandonada enquanto o t não desaparece, mas passa a ser sonorizado como um d. E no caso das formas verbais existe a apócope do e final.

O termo saudade acabou por gerar derivados como a qualidade "saudosismo" e seu adjetivo "saudosista", apegado à ideias, usos, costumes passados, ou até mesmo aos princípios de um regime decaído, e o termo adjetivo de forte carga semântica emocional "saudoso", que é aquele que produz saudades, podendo ser utilizado para entes falecidos ou até mesmo substantivos abstratos como em "os saudosos tempos da mocidade", ou ainda, não referente ao produtor, mas aquele que as sente, que dá mostras de saudades.

Alguns poemas....


SAUDADE

Saudade - O que será... não sei... procurei sabê-lo
em dicionários antigos e poeirentos
e noutros livros onde não achei o sentido
desta doce palavra de perfis ambíguos.

Dizem que azuis são as montanhas como ela,
que nela se obscurecem os amores longínquos,
e um bom e nobre amigo meu (e das estrelas)
a nomeia num tremor de cabelos e mãos.

Hoje em Eça de Queiroz sem cuidar a descubro,
seu segredo se evade, sua doçura me obceca
como uma mariposa de estranho e fino corpo
sempre longe - tão longe! - de minhas redes tranquilas.

Saudade... Oiça, vizinho, sabe o significado
desta palavra branca que se evade como um peixe?
Não... e me treme na boca seu tremor delicado...
Saudade...

Pablo Neruda



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SAUDADE
Tu és o cálix;
Eu, o orvalho!
Se me não vales,
Eu o que valho?

Eu se em ti caio
E me acolheste
Torno-me um raio
De luz celeste!

Tu és o collo
Onde me embalo,
E acho consolo,
Mimo e regalo:

A folha curva
Que se aljofara,
Não d'agoa turva,
Mas d'agoa clara!

Quando me passa
Essa existencia,
Que é toda graça,
Toda innocencia,

Além da raia
D'este horizonte—
Sem uma faia,
Sem uma fonte;

O passarinho
Não se consome
Mais no seu ninho
De frio e fome,

Se ella se ausenta,
A boa amiga,
Ah! que o sustenta
E que o abriga!

Sinto umas magoas
Que se confundem
Com as que as agoas
Do mar infundem!

E quem um dia
Passou os mares
É que avalia
Esses pezares!

Só quem lá anda
Sem achar onde
Sequer expanda
A dôr que esconde;

Longe do berço,
Morrendo á mingoa,
Paiz diverso...
Diversa lingoa...

Esse é que sabe
O meu tormento,
Mal se me acabe
Aquelle alento!

Ah, nuvem branca
Ah, nuvem d'oiro!
Ninguem me estanca
Amargo choro;

E assim que passes
Mesmo de largo...
Vê n'estas faces
Se ha pranto amargo.

Tu és o norte
Que me desvias
De ir dar á morte
Todos os dias;

A larga fita
Que d'alto monte
Cerca e limita
O horizonte!

Tu és a praia
Que eu sollicito!
Tu és a raia
D'este infinito!

Se ha uma gruta
Onde me esconda
Á força bruta
Que traz a onda;

Á força immensa
D'esta corrente
D'alma que pensa,
Alma que sente;

Se ha uma véla,
Se ha uma aragem,
Se ha uma estrella,
N'esta viagem...

É quem eu amo,
A quem adoro!
E por quem chamo!
E por quem choro! 

João de Deus, in 'Ramo de Flores'
Mas se tu me cativas, minha vida será cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da terra. Os teus me chamarão para fora da toca, como se fosse música.